Guarda-vidas

Acumular é humano
Nas palavras de Pablo Picasso, "você é o que você guarda"

Um novo ano começa e uma das promessas típicas desta época é a de arrumar armários. Roupeiros, prateleiras, camas-baús, cantinhos da bagunça e tudo mais que armazene coisas dispensáveis, aquelas sem as quais é possível viver tranquilamente e não sentir a menor falta. Será? Não é bem assim. Tentasse alguém a convencer um tal de Sigmund Freud de que precisava fazer um 5S em seu gabinete para, provavelmente, ser alvo de repreensão (ou uma queimadinha de charuto na mão). O pai da psicanálise colecionava antiguidades e pequenas obras de arte compradas em Viena e em viagens pela Europa. No fim da vida, acumulara perto de 2,5 mil peças, quase todas dispostas em seu escritório – onde mal conseguia se mover, dado o atrolho. Ok, mas tratava-se de uma coleção, não de uma acumulação, propriamente. O fato de nunca tê-la organizado não nos dá o direito de pensar mal do velho Sig. Mas e de Pablo Picasso, o que diríamos? "Ele guardava tudo: jornais velhos, pedaços de papel de embrulho e envelopes usados, maços de cigarros, passagens de ônibus e guardanapos de papel. Quando suas pilhas de papéis cresciam demais para os tampos das mesas, ele as prendia com grampos e as pendurava no teto, como candelabros".

Frida Kahlo, recentemente mencionada neste blog como uma aficionada por bugigangas, tinha armário e penteadeira "abarrotados das quinquilharias — bonecas, móveis de bonecas, brinquedos, miniaturas de animais, ídolos pré-colombianos, joias, todo tipo de cestas e caixas" ("Frida, a Biografia", Hayden Herrera, 2013). Bem, Picasso e Frida eram artistas visuais, precisavam ter no que se inspirar. Um músico não guardaria tantas coisas. Não mesmo? Ao visitar Paulinho da Viola para uma entrevista, um repórter observou: "Com partes do imóvel em obras, as demais áreas [da casa de Paulinho] estão ainda mais atravancadas com objetos que ele amealha faz tempo. 'Guardava tudo (...). Não jogava nada fora porque achava que um dia teria alguma utilidade'" disse o músico à revista Itaú Personnalité (nº 29, dez. 14/jan-fev-15, p. 18). Guardava "tudo" o quê, exatamente? Discos, livros, instrumentos musicais, ferramentas (é marceneiro amador) e chapéus Panamá. Na conversa, o cantor e compositor dizia estar se tornando mais desprendido, para ser logo desmentido pela mulher: "Esse desapego ainda não vi, não. É só na teoria".

Desapego era justamente o mote de um programa que o GNT veiculou anos atrás, chamado "Desengaveta". A proposta: dar uma investigada no closet de famosos em busca de excessos que pudessem ser doados ou vendidos, com renda revertida para instituições de caridade. Num episódio, a atriz Sophia Abrahão, dona de 91 vestidos, 117 pares de sapatos e 56 bolsas, chorou ao se desafazer de alguns itens. Reação exagerada? Não necessariamente. Talvez fosse um pedaço dela que estivesse indo nas caixas de doação. Afinal, nas palavras de Pablo Picasso, "você é o que você guarda".

Feliz 2024.

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Segunda, 13 Mai 2024

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