Mudanças no mercado exigem qualificação
Com as empresas voltando a recontratar e buscando retomar o crescimento, a pós-graduação pode ser um diferencial no currículo do executivo
A recuperação da economia brasileira refletida no desempenho positivo de indicadores macroeconômicos está devolvendo o otimismo e a expectativa de tempos prósperos aos empresários brasileiros. A estabilidade prevista para 2018 servirá como um norte de recomposição para a maioria das empresas. Em muitas delas, a reestruturação começa pelo quadro funcional. A geração de empregos no último ano foi superior a 2016 e 2015, quando o número de demissões ultrapassou o de contratações. O ano de 2017 encerrou com o fechamento de 20 mil postos formais de emprego, segundo os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), divulgados pelo Ministério do Trabalho. Apesar de o resultado ser negativo, já é inferior ao acumulado nos dois anos anteriores, quando houve fechamento de 2,8 milhões de vagas. Um levantamento da Michael Page – consultoria especializada em recrutamento e seleção de executivos – revelou que nos últimos três anos as empresas eliminaram cerca de 30 a 40% dos cargos executivos, nas faixas de gerentes a diretores. Destes, cerca de 20% das vagas devem ser recuperadas ainda em 2018.
A retomada das contratações é reflexo do reposicionamento estratégico das companhias. “Nos últimos três anos, as empresas se defenderam e se protegeram da recessão. Agora, as companhias estão olhando para frente, se preparando para crescer e inovar”, analisa Felipe Ribeiro, gerente da Michael Page no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. Segundo a consultoria, o otimismo é observado em todos os setores do mercado. No Rio Grande do Sul, os segmentos de agronegócio, varejo, financeiro e metalmecânico devem apresentar melhores índices em comparação com o período anterior. Em Santa Catarina, a melhora de desempenho deve ficar por conta do varejo e da indústria. Já no Paraná, os setores de agronegócio, automotivo, varejo e construção civil apresentam expectativas positivas. Entre as áreas com maiores probabilidades de contratação estão as de inovação e transformação digital, comercial, exportação, controladoria, auditoria e compliance.
De acordo com os consultores, a reestruturação dos quadros funcionais feita pelas companhias é causada pela reposição das vagas cortadas, criação de novas vagas e substituição por profissionais com salários inferiores ao teto da faixa da posição. É também uma recomposição com mudanças no contexto e no tamanho das novas posições. O nível dos cargos também é variável. Por um lado, o reaquecimento do mercado aumentou a procura das posições de suporte, em todas as áreas, para ocupar quadros de execução. Por outro lado, as empresas, buscando retomar o crescimento e a expansão pós-crise, investem nos cargos de gestão e posições estratégicas.
Há uma mudança também no perfil de executivo buscado. Na análise da Michael Page, enquanto, em momentos passados, as companhias buscavam gestores para reorganizarem suas estruturas, com redução de custos e enxugamento de gastos, agora a orientação é um perfil voltado para essa estratégia de expansão e inovação. As companhias entendem que o alto escalão deve ser preenchido por executivos com visão empreendedora e de inovação, autônomos, ambiciosos, criativos questionadores, inquietos com ideias novas e dipostos a propor modelos novos de negócios.
No quesito qualificação, o consultor é enfático: “Sem dúvidas, o mercado quer profissionais especialistas. É um movimento que vem acontecendo nos últimos anos”, ressalta Ribeiro. Esse movimento é justificado pelo modelo de gestão das empresas que passa por uma transformação do perfil de gestor controlador de pessoas e processos para um perfil de gestor participativo, que instigue lideranças e apresente habilidades na própria área para liderar o desempenho da equipe. Como exemplo, Ribeiro cita a posição de diretor comercial, que tinha como atribuição controlar desempenhos e acompanhar relatórios para um cargo, e hoje demanda um gestor à frente das principais negociações da companhia, auxiliando nas análises de casos mais complexos na sua equipe. Thiago Gaudencio, gerente da Michael Page em Santa Catarina e no Paraná, pondera que a busca por esses perfis técnicos não exime a necessidade de aptidões e habilidades de gestão dos executivos – com perfil de decisão, de posicionamento e liderança de equipe. “Profissionais estritamente técnicos têm baixas chances de evolução na carreira. As decisões de contratação tendem a equilibrar características comportamentais e competências técnicas”, completa Gaudencio.
Coringa no currículo
Com as empresas voltando a contratar, em um cenário de desemprego ainda alto, torna-se acirrada a competitição por uma posição nesse mercado em lenta recuperação. No critério de empregabilidade, ganha a vaga quem apresentar melhores referências. Nesse sentido, a pós-graduação pode ser um atributo diferencial para largar na frente na conquista de um emprego. Muitos profissionais estão encarando o momento como uma oportunidade para aperfeiçoar seus conhecimentos, habilitar capacidades e investir no portfólio. “Algumas pessoas, ao perderem emprego ou se sentirem ameaçadas, entendem a necessidade de melhor preparação. Nesses casos, notamos como é frequente que os profissionais passem a perceber o conhecimento como ferramenta de trabalho”, esclarece Antonio Raimundo dos Santos, diretor de Educação do ISAE/FGV PR. Na sua análise, as crises econômicas podem servir como um impulso para os executivos repensarem suas carreiras.
“A pós-graduação está sendo vista pelo mercado como um meio de qualificação para os profissionais, no tocante à ampliação de conhecimentos e experiências para a resolução de problemas, melhorias e inovação nos negócios”, pontua Fabiano de Lima Nunes, coordenador da área de Gestão e Tecnologias da Pós-Graduação Lato Sensu da Universidade Feevale. “Isso vem da necessidade de busca de novas estratégias, soluções e abordagens para enfrentar esse momento de crise. Os cursos de pós-graduação fazem que o profissional se atualize, se informe e tenha contato com as novidades, principalmente as relacionadas à inovação. É uma estratégia necessária nesse cenário turbulento”, completa.
Para atualização e aprimoramento seguindo as necessidades do mercado de trabalho, os consultores da Michael Page recomendam que os profissionais atentem para as necessidades atuais e do futuro das companhias, e também para as áreas que apresentam crescimento, como gestão para inovação e comércio internacional. Os mestrados executivos que aliam prática e teoria foram apontados pelos especialistas como opções reconhecidas pelas companhias. A tendência é a maior valorização, por parte das empresas, pelos cursos de formatação diferenciada – mais curtos, rápidos e práticos voltados ao aprofundamento de temas pontuais, que possam ser aplicados na prática da companhia para resolução de assuntos específicos – em detrimento de cursos tradicionais, que vêm perdendo peso na avaliação corporativa.
Esse comportamento é devido a uma maior preocupação das companhias com o que os executivos realmente aprenderam no curso e o que podem aplicar na rotina da empresa. “O mercado de educação alinhado à nova geração de executivos com perfil millennials aponta para busca de cursos que sejam importantes à posição que ocupam no momento, que têm interesse no tema e que acreditam que possa fazer a diferença em sua carreira. As empresas têm apreciado saber mais por que o profissional fez o curso e o que aprendeu com ele, que a titulação de um curso nobre e tradicional”, aponta Ribeiro. Na mesma linha, Gaudencio alerta para o erro de muitos executivos ao investirem em pós-graduação mais pelo selo de qualidade do curso que realmente pelo interesse próprio e aplicabilidade no dia a dia. “É um bom aditivo, pesa no momento da contratação, mas as empresas no geral não avaliam a titulação por si só. Há um pragmatismo maior da aplicação desse conhecimento no dia a dia. As empresas querem saber o que as pessoas realmente aprenderam e que projetos desenvolveram com a metodologia da pesquisa”, acrescenta. A mesma lógica vale para o retorno financeiro e em promoções na carreira do profissional. Conforme a aplicabilidade prática do projeto, o impulso de sua carreira se dará em maior ou menor intervalo de tempo. O crescimento, na maioria dos casos, não é concomitante com a conclusão do curso, e sim com a apresentação de melhores resultados e desempenho.
Educação por toda a vida
Outro componente para o recrutamento e evolução da carreira do executivo é o investimento contínuo em educação e atualização de conhecimentos. “A avaliação das empresas sobre cada executivo está atrelada também à evolução do profissional, não somente ao seu resultado, e sim na crença de que ele ainda pode evoluir e aprender coisas novas”, explica Gaudencio. A vontade de aprender e de continuar crescendo é traduzida por cursos e aprendizados que o profissional busca, observada no seu currículo e portfólio. Embora a valorização varie conforme a cultura organizacional de cada empresa, para os consultores há uma maior proximidade entre ambiente acadêmico e corporativo. “As empresas estão mais flexíveis para compreender e suportar essa demanda até mesmo com benefícios, incentivos e adaptação na jornada de trabalho. Ainda é fundamental que o profissional escolha que a educação continuada faça sentido para a posição que ele ocupa, para seu planejamento de carreira e para a companhia que trabalha”, orienta Ribeiro.
Na análise de Raimundo, o investimento contínuo em educação é bem avaliado pelas empresas. “Num mercado competitivo, a educação e a atualização dos conhecimentos é um elemento fundamental para a manutenção de sua posição no mercado. As empresas buscam profissionais cada vez mais qualificados e que levem a sério o aprendizado”, considera. Nesse sentido, a atualização estende-se para além da pós-graduação para cursos de idiomas, extensão, palestras, congressos e treinamentos de capacitação – atividades em que o profissional possa se atualizar, acompanhar tendências da área, ampliar repertório e aumentar o networking. A recomendação é que ao longo da carreira, a cada cinco anos, o profissional revise o que falta para progredir e busque aperfeiçoamento constante, acompanhando o seu desenvolvimento individual e as alterações do mercado de trabalho.
Planejamento de carreira
Os especialistas são unânimes: toda pós-graduação deve estar atrelada ao planejamento de carreira do profissional. No momento da escolha de um curso, o executivo deve levar em conta o momento atual de sua carreira e o que planeja para o seu futuro profissional. São as fases da vida profissional que orientam se o executivo deve buscar um curso lato sensu (MBAs e especializações) ou stricto sensu (mestrados e doutorados). Os cursos stricto sensu são indicados para aprofundamento da discussão de um tema e os lato sensu para ampliar a visão de negócios ou se especializar pontualmente em uma área.
A pós-graduação também pode ser a escolha para aprofundar questões necessárias e preparar o profissional para assumir uma nova posição dentro da organização. Na avaliação de Walter Nique, coordenador da pós-graduação em Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o currículo do profissional parte e caminha para uma formação generalista, de acordo com suas necessidades de compreender a operação ou a gestão. “O profissional sai da graduação com uma formação generalista e conclui o processo de aprendizagem numa empresa. Por volta dos 30 anos, em uma posição de analista, aprofundará o conhecimento nessa área com apoio teórico de uma especialização, como um MBA – Master Business Administration. Depois, em torno dos 35 a 40 anos, já em um cargo de gestão, ele voltará a uma formação generalista, como um mestrado executivo, para ampliar o entendimento do todo da organização, refletir sobre a experiência administrativa. Por isso, a formação do indivíduo está ligada ao seu crescimento profissional”, avalia Nique.
“A pós-graduação é um momento geralmente em que o profissional busca aprofundamento de um determinado conhecimento e define o que chamamos de core de carreira (especialidade do profissional)”, explica Daniela Boucinha, coordenadora do Escritório de Carreiras da PUCRS. Para Daniela, a pós-graduação deve ser articulada com a bagagem profissional do executivo. “É válido avaliar no que e como o curso vai agregar na trajetória profissional. O aluno acredita que o caminho natural é emendar uma pós-graduação após a graduação. Mas o ideal é primeiramente ter uma experiência profissional para a pós-graduação chancelar esse conhecimento e articular com a trajetória”, analisa.